Perguntas ao som de quissanges, ilús e balafons

Julio Mendes


A partir de uma pergunta feita por um amigo, sai em busca de uma resposta para satisfazer meu interrogador e enveredei por um universo de questionamentos difíceis de partilhar. A pergunta era: “Como a tua religião te faz uma pessoa melhor?”.

Minha religião é o Candomblé, hoje denominada de matriz africana, trazida por nossos ancestrais escravos, misto de várias percepções tribais ocasionadas pela unificação de várias tribos em países colonizados e explorados pelo cruel fenômeno da escravidão. Nesse momento percebi que participávamos, inconscientemente, de formas de tribalismo, divididos em adeptos do Ketu, Angola, Efon, Gegê Mahin, etc. Cada qual com seus cantos, rituais, toques, mitologias diferenciadas e por conseguinte, mentalidades individualizadas, dentro de um universo que deveria ser o “mundo dos negros”, dos afro descendentes.



Assim como atuou com os orientais e os povos indígenas, a colonização européia e branca na sua interação desrespeitou toda a filosofia encontrada, tentando impor suas visões distorcidas de Vida e Sociedade, cooptando alguns que só trouxeram confusão a um modus operandi sócio-cultural  e religioso distinto.


Acredito que nesse momento, alguns já se perguntam: onde ele quer chegar? Observemos alguns detalhes: Ao nascer o homem entrava em contato com seu Odu, para encaminhar-se na vida, de acordo com o que estava ali definido. Na simplicidade "complexa" da vida na tribo, definiam-se artesãos, músicos, professores, religiosos, etc. O odu é nosso código binário, nosso DNA do espírito, o que nos torna único e encaminhado na estrada da existência. Quem hoje vive realmente de acordo com seu Odu? Quantos passam a vida toda vivendo uma vida que não é “sua”?  Quem entende verdadeiramente o que é Orixá? Definir com força da natureza é pouco, ou dizer apenas que é tudo na existência é vago. Tomemos como exemplo dois orixás: Ogun e Oyá, conhecidos por suas lendas como símbolos de bravura e rebeldia, tem seus ensinamentos milenares pouco compreendidos. Ogun envergonhado por sua ira diante da população de Ire, após cortar várias cabeças, some na terra quando vê que eles participavam de um ritual de silêncio. A história demonstra que o homem não deve se deixar levar pelos sentimentos, agir sem refletir. No entanto, o que vemos são cadeias cheias de adeptos e filhos de Ogun. Oyá, por exemplo, sempre rebelde diante do machismo de seus companheiros, quis ter filhos. Ainda rebelde sopra seus ventos espalhando as folhas de Ossayn, “distribuindo” a sabedoria por todos os orixás. E assim, existe muito saber contidos nos orikis, nas lendas, nos cantos, etc. Algo que se perde a cada dia... E muitos são os questionamentos. Nossa religião deixou, há muito tempo, de ser a resistência de um povo na tentativa de sobreviver para se tornar a  adaptação à sociedade que nos oprimiu. Vamos pensar. Quem é de Axé deve dizer que é, e deve sobretudo refletir. Se vamos conviver com nossa religião nesta sociedade que seja por verdadeira compreensão e não reinvidicando concessões.


Que nossos Orixás tenham a força que realmente possuem de modificar nossas vidas para melhor, não só materialmente, mas tornando-nos verdadeiramente seres humanos melhores e conseqüentemente maiores do que hoje somos. Nesse ponto, alguns dirão: ...” falou, falou e qual a solução? Não sei...se nos permitirmos, encontraremos juntos e então,  poderemos responder como a nossa religião nos faz pessoas melhores para qualquer amigo.


Rio de Janeiro, 04:38h, sexta-feira 13 de abril de 2012




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