O verde é nosso. Mas... cadê o verde?

Luís Filipe de Lima

Sem querer ser um eco-chato ou coisa parecida, sempre defendi a ideia de que nós, do candomblé, devemos zelar pela conservação do meio-ambiente. Se essa já é nossa obrigação como cidadãos, que dirá como praticantes de uma religião que tem como base as forças da natureza. Precisamos a todo instante entregar ebós e presentes nas matas, rios, praias, cachoeiras, estradas e encruzilhadas. Nem por isso temos o direito de deixar qualquer espécie de lixo nesses locais. Sacolas, sacos plásticos, fósforos usados e guimbas de cigarro, por exemplo, não fazem parte de nenhum ebó que eu conheça... Velas acesas? Todo cuidado é pouco com incêndios. Afinal, não faz o menor sentido queimar o pé de árvore onde estamos fazendo nossos pedidos, nem poluir as águas que estamos presenteando. Como dizia um mais velho de quem guardo muitas saudades: “axé é limpeza”.


Hoje muitas casas de candomblé evitam despachar alguidares, tigelas ou pratos com comidas-de-santo. Em lugar desses utensílios, as comidas e oferendas são entregues em cima de folhas apropriadas, prática aliás bastante comum entre nossos antigos. Felizmente a consciência ecológica (que nada mais é do que a noção de pertencimento a um universo amplo, habitado por inúmeras formas de vida) vem ganhando ainda mais força entre o povo-de-santo, nos últimos tempos. E nem podia ser diferente: fomos ensinados a pedir licença para entrar no mato, para colher uma simples folha, fruto ou raiz. Nossas obrigações são orientadas pela hora do dia, pela fase da lua, pelas marés. Precisamos de água limpa, no mar, nos rios e cachoeiras. Estamos, assim, entre os primeiros a defender práticas e políticas que garantam o equilíbrio dos recursos naturais.
Por outro lado, sabemos como está mais difícil, a cada dia que passa, utilizar espaços públicos adequados para nossos ritos. As águas e áreas verdes estão cada vez mais comprometidas, seja pela poluição e degradação ambiental, seja pelo crescimento desordenado das zonas urbanas. Já não é tão fácil achar, por exemplo, encruzilhadas de terra, cachoeiras ou mato limpo em meio às cidades. Nesse sentido, outra questão que preocupa o povo-de-santo é a segurança. Os lugares mais ermos – aqueles que nos restam, afinal – são sempre os mais arriscados. Também por causa disso, o acesso aos espaços coletivos é hoje cada vez mais limitado, nos obrigando a deslocamentos cada vez maiores, ou então a adaptações e simplificações em nossas práticas. Para não falar de outra dificuldade: a intolerância religiosa, que muitas vezes nos coloca em situações de constrangimento quando saímos de casa para cultuar nossos orixás em áreas abertas.
É hora de lutar por esses espaços. Podemos fazer muito. Se estivermos unidos, podemos fazer muito mais ainda. Que tal começar dando o exemplo? É bom redobrar os cuidados para não deixar lixo nos lugares por onde passamos. Não queremos ser conhecidos como inimigos do meio-ambiente, já basta a incompreensão que sofremos por parte de muitos setores da sociedade. Se pudermos evitar incluir nos presentes e ebós materiais que não sejam biodegradáveis, melhor ainda. Depois disso, que tal nos interessarmos um pouco mais pelas discussões em torno da ecologia e do desenvolvimento sustentável? Temos muito em comum com o chamado movimento verde, afinal, que está na contramão de poderosos interesses econômicos. Nossa religião floresceu no Brasil na condição de foco de resistência, até hoje não fugimos a essa vocação. É com a nossa participação nas discussões sobre o meio-ambiente, quer como simples cidadãos, quer como adeptos das religiões de matriz africana, que chegaremos mais perto das mudanças de que precisamos. Os orixás agradecem – e, como sempre, nos trarão boas respostas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Motumbá,
Excelente observação irmão, está cada dia mais complicado um simples, põe simples nisso, ebó...seja onde for, temos todos esses "problemas"...a discussão é válida mesmo, somos "zeladores" das forças da natureza, portanto, nada mais justo que nossa principal preocupação seja preserva-la. "axé é limpeza" perfeito.
Rafael Bittencourt