Sem querer ser um eco-chato ou coisa
parecida, sempre defendi a ideia de que nós, do candomblé, devemos zelar pela
conservação do meio-ambiente. Se essa já é nossa obrigação como cidadãos, que dirá
como praticantes de uma religião que tem como base as forças da natureza. Precisamos
a todo instante entregar ebós e presentes nas matas, rios, praias, cachoeiras,
estradas e encruzilhadas. Nem por isso temos o direito de deixar qualquer
espécie de lixo nesses locais. Sacolas, sacos plásticos, fósforos usados e
guimbas de cigarro, por exemplo, não fazem parte de nenhum ebó que eu
conheça... Velas acesas? Todo cuidado é pouco com incêndios. Afinal, não faz o
menor sentido queimar o pé de árvore onde estamos fazendo nossos pedidos, nem poluir
as águas que estamos presenteando. Como dizia um mais velho de quem guardo
muitas saudades: “axé é limpeza”.
Hoje muitas casas de candomblé evitam
despachar alguidares, tigelas ou pratos com comidas-de-santo. Em lugar desses
utensílios, as comidas e oferendas são entregues em cima de folhas apropriadas,
prática aliás bastante comum entre nossos antigos. Felizmente a consciência
ecológica (que nada mais é do que a noção de pertencimento a um universo amplo,
habitado por inúmeras formas de vida) vem ganhando ainda mais força entre o
povo-de-santo, nos últimos tempos. E nem podia ser diferente: fomos ensinados a
pedir licença para entrar no mato, para colher uma simples folha, fruto ou
raiz. Nossas obrigações são orientadas pela hora do dia, pela fase da lua,
pelas marés. Precisamos de água limpa, no mar, nos rios e cachoeiras. Estamos,
assim, entre os primeiros a defender práticas e políticas que garantam o
equilíbrio dos recursos naturais.
Por outro lado, sabemos como está mais
difícil, a cada dia que passa, utilizar espaços públicos adequados para nossos
ritos. As águas e áreas verdes estão cada vez mais comprometidas, seja pela
poluição e degradação ambiental, seja pelo crescimento desordenado das zonas
urbanas. Já não é tão fácil achar, por exemplo, encruzilhadas de terra,
cachoeiras ou mato limpo em meio às cidades. Nesse sentido, outra questão que
preocupa o povo-de-santo é a segurança. Os lugares mais ermos – aqueles que nos
restam, afinal – são sempre os mais arriscados. Também por causa disso, o acesso
aos espaços coletivos é hoje cada vez mais limitado, nos obrigando a
deslocamentos cada vez maiores, ou então a adaptações e simplificações em
nossas práticas. Para não falar de outra dificuldade: a intolerância religiosa,
que muitas vezes nos coloca em situações de constrangimento quando saímos de
casa para cultuar nossos orixás em áreas abertas.
É hora de lutar por esses espaços. Podemos
fazer muito. Se estivermos unidos, podemos fazer muito mais ainda. Que tal
começar dando o exemplo? É bom redobrar os cuidados para não deixar lixo nos
lugares por onde passamos. Não queremos ser conhecidos como inimigos do
meio-ambiente, já basta a incompreensão que sofremos por parte de muitos
setores da sociedade. Se pudermos evitar incluir nos presentes e ebós materiais
que não sejam biodegradáveis, melhor ainda. Depois disso, que tal nos
interessarmos um pouco mais pelas discussões em torno da ecologia e do
desenvolvimento sustentável? Temos muito em comum com o chamado movimento verde,
afinal, que está na contramão de poderosos interesses econômicos. Nossa
religião floresceu no Brasil na condição de foco de resistência, até hoje não
fugimos a essa vocação. É com a nossa participação nas discussões sobre o
meio-ambiente, quer como simples cidadãos, quer como adeptos das religiões de
matriz africana, que chegaremos mais perto das mudanças de que precisamos. Os
orixás agradecem – e, como sempre, nos trarão boas respostas.
Um comentário:
Motumbá,
Excelente observação irmão, está cada dia mais complicado um simples, põe simples nisso, ebó...seja onde for, temos todos esses "problemas"...a discussão é válida mesmo, somos "zeladores" das forças da natureza, portanto, nada mais justo que nossa principal preocupação seja preserva-la. "axé é limpeza" perfeito.
Rafael Bittencourt
Postar um comentário