PITAN DUDU

Cláudio Jorge

Como sempre acontece durante as várias viagens que faço por conta de meu ofício de músico, os papos que costumam rolar na estrada são muito variados, e na maioria das vezes, chegamos ao final com aquela sensação de que não conseguimos resolver os problemas do mundo como todos nós gostaríamos. Mas tentamos (rsrs).
Dentre os vários assuntos,  a questão da presença do negro no Brasil é recorrente, e a
prática religiosa herdada de nossos antepassados escravos é dos temas que mais nos ocupam.
Quando meu amigo Kiko Horta me convidou a colaborar com o PITAN DUDU, achei que seria uma boa oportunidade de começar  a escrever e colocar  a minha opinião sobre essas conversas.

 O Candomblé traz na sua história um permanente estado de luta por seu direito de existir num país colonizado como o nosso, que viveu as experiências jesuíticas de catequese  e que teve durante bom tempo como principais praticantes os negros escravos e seus descendentes.
De cara, foram grandes desafios para que nossa religião pudesse ser livremente praticada sem ser considerada um caso de polícia, como aconteceu com quase tudo vindo deste extrato social, desde a capoeira até a batucada e a arte de tocar violão, passando pela questão religiosa.
O universo de preconceitos criado em torno dos Exús e demais Orixás foi enorme, a demonização aplicada aos nossos rituais foi terrível e durante muito tempos fomos perseguidos, descriminados e por uma questão de tática de sobrevivência, raramente revelávamos a estranhos a nossa opção religiosa.
O tempo passou, sabemos do poder de luta e fé de nossos antepassados negros, sabemos também da força de nossos Orixás, e num determinado momento da vida nacional,  muitas pessoas de outras camadas sociais começaram a se aproximar do Candomblé e a contar com seu axé para a harmonia de suas vidas. Com isso a perseguição policial foi abolida, os terreiros foram cadastrados,  mas o preconceito continuou e continua até os dias de hoje.
A diferença que vejo em relação ao nosso tempo atual,  é que hoje existe uma juventude disposta a assumir publicamente sua religião, não só por uma questão de orgulho em relação a este universo e suas tradições, mas principalmente por conta de uma absurda perseguição vinda por parte das chamadas religiões midiáticas, que retomaram o antigo projeto de satanização de nossos cultos.
Aprendi com os mais velhos que nós não temos inimigos, nossos inimigos são inimigos dos nossos Orixás. Então que fique na mão deles o final dessa história. A nós, meros mortais, acredito que caiba a obrigação de fazermos a nossa parte protegendo nossas convicções e fé. Assumindo publicamente a religião, denunciando a intolerância, lutando pela preservação da natureza, nosso espaço primordial para os nossos cultos e, principalmente, criando ações positivas, como essa brilhante idéia do espaço virtual PITAN DUDU. Sempre que possível estarei por aqui dando meus pitacos. Motumbá.

Cláudio Jorge é músico profissional, cantor, compositor, cronista em blogdoclaudiojorge.blogspot.com, apresentador do Programa Garimpo na Rádio Nacional, e Ogan do Oxalá de Mãe Antonieta Babamim.

2 comentários:

Anônimo disse...

Motumbá,
Estamos na luta ( hora vejam só, a que ponto chegamos...) de exercer o direito de escolher nossa fé. Mas como você sabiamente disse: "nossos inimigos são inimigos dos nossos Orixás".
Um abraço
Rafael Bittencourt

Carlinha disse...

Excelente texto, e com certeza Cláudio Jorge descreve muito bem a luta do povo negro para ter a sua religião respeitada. E quando cita também a questão dos jovens estarem assumindo a sua religião, concordo plenamente com ele. Comecei a me interessar em conhecer mais do candomblé após um curso que fiz (Turismo), onde se discutia a questão da religiosidade e com as visitas aos terreiros, mas principalmente pelos diversos amigos (e amores) que fiz praticantes da religião. Hoje sinto a necessidade em conhecer um pouco mais sobre as religiões de matrizs africanas e com certeza esse blog me ajudará e muito a enteder um pouco mais as minhas raízes. Valeu! Carlinha Gomes