Mulheres nada frágeis

Alzira Rufino
https://mail.google.com/mail/u/0/images/cleardot.gif

Para entender a situação atual da mulher negra, temos que buscar na história brasileira alguns fatores que tornam a mulher negra sujeito de especificidades que a diferenciam da mulher branca.

Reduzida à condição de escrava, a mulher negra foi durante o período colonial, um instrumento de trabalho forçado, dentro das casas, na lavoura, nas minas, no comércio. Enquanto a mulher branca era mantida sob rigorosa vigilância moral, reservada para as respeitadas funções de esposa e mãe, a sociedade sujeitava a mulher negra ao abuso sexual do homem branco e adotava o estupro da escrava negra como instrumento de afirmação da virilidade machista do colonizador.

Na casa grande, cozinhava, servia de ama de leite para os filhos dos senhores. Suas habilidades culinárias criaram a figura da vendedora de quitutes, ainda nos tempos coloniais.


Após a Lei Áurea, com a vinda de imigrantes europeus, que passaram a ocupar o lugar dos trabalhadores negros na agricultura, indústria e comércio, foram as mulheres negras que continuaram trabalhando nas casas dos ex-senhores, assegurando a sobrevivência da família negra, já que os homens negros perderam seu trabalho e foram reduzidos à marginalidade.

Nesse novo contexto, as mulheres negras assumem a responsabilidade de chefe da casa, pois conseguem encontrar mais opções de trabalho: cozinhando, amamentando e criando os filhos dos patrões, vendendo quitutes nos mercados. Foi assim que, além de sustentarem suas famílias, abriam casas de candomblé, criavam seus filhos de santo, preservando a idéia da família comunitária que tinha suas raízes na África.

A criação dessas casas de candomblé foi fundamental para resgatar a identidade cultural negra, preservando a visão de mundo africana, suas figuras míticas (orixás), seus cantos e danças e a própria língua yorubá, fon, quimbundo, das diversas nações religiosas. Nessas manifestações místicas, ao contrário da religião católica, onde toda hierarquia religiosa é masculina, as mulheres têm funções muito importantes, tendo se tornado figuras nacionais algumas dessas ialorixás da Bahia, como Mãe Aninha, Mãe Senhora e Mãe Menininha do Gantois, Mãe Hilda e Mãe Stella.

A estrutura do candomblé é matriarcal e as deusas do culto são arquétipos que representam forças poderosas, independentes, sensuais, guerreiras. Portanto, a mulher negra não se identifica tanto com o estereótipo da fragilidade da mulher. Além disso desde menina, ela cuida dos irmãos, vai trabalhar fora de casa para se auto-sustentar e à sua família. Se tem filhos, não conta, na maioria das vezes, com a ajuda do companheiro. 

Tempo passado, tempo presente, sempre tivemos que ir à luta. Na árdua luta pela sobrevivência, tornamo-nos fortes, aprendemos a decidir sozinhas.

* Alzira Rufino é presidente da Casa de Cultura da Mulher Negra, em Santos (SP). Esse texto foi publicado no site www.casadeculturadamulhernegra.org.br .

Nenhum comentário: